O ACORDO GERAL SOBRE TARIFAS E COMÉRCIO (GATT)
O Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio (GATT) foi estabelecido em 1947, em Genebra, por 23 Estados-membros, e visava a promoção do Comércio Internacional por meio do estabelecimento e aplicação de regras para eliminação de barreiras comerciais tarifárias[1] e não tarifárias[2] entre os Estados membros. Em um cenário pós-Guerra, o Acordo buscava reduzir práticas protecionistas e garantir a inserção de novos países no mercado internacional, de forma competitiva.
A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC)
Em 1995, a partir do GATT[3] e em decorrência das necessidades de adaptação ao mercado globalizado e do aumento exponencial do fluxo de comércio de bens, serviços e investimentos em níveis multilaterais, foi criada a Organização Mundial do Comércio (OMC), com 123 Estados-membros. À OMC foram atribuídas quatro funções básicas (GATT, 1994):
1 – Facilitar a implantação, a administração, a operação e os objetivos dos acordos da Rodada Uruguai, que incluem: setores diversos como agricultura, produtos industriais e serviços; regras de comércio como valoração, licenças, regras de origem, anti-dumping, subsídios e salvaguardas, barreiras técnicas, e empresas estatais; supervisão dos acordos regionais e sua compatibilidade com as regras do GATT; propriedade intelectual; e, novos temas como meio ambiente, investimento e concorrência. 2 – Constituir um foro para as negociações das relações comerciais entre os estados membros, com objetivo de criar ou modificar acordos multilaterais de comércio. 3 – Administrar o Entendimento (Understanding) sobre Regras e Procedimentos relativos às Soluções de Controvérsias, isto é, administrar o “tribunal” da OMC. 4 – Administrar o Mecanismo de Revisão de Políticas Comerciais (Trade Policy Review Mechanism) que realiza revisões periódicas das Políticas de Comércio Externo de todos os membros da OMC, acompanhando a evolução das políticas e apontando os temas que estão em desacordo com as regras negociadas. (apud Vera Thorstensen, 1998)
A OMC tornou-se, portanto, o principal recurso regulador e garantidor da boa conduta no Comércio Internacional. Seu tribunal tornou-se responsável por acolher denúncias internacionais decorrentes de práticas ilegais como o dumping, subsídios e salvaguardas. Mas mais que simplesmente regular o comércio internacional, a OMC visa fomentar o mesmo, com políticas inclusivas, que estão descritas em seus princípios básicos:
Não discriminação: É o princípio básico da OMC. Está contido no Art. I e no Art. III do GATT 1994 no que diz respeito a bens e no Art. II e Art. XVII do Acordo de Serviços. Estes Artigos estabelecem os princípios da nação mais favorecida (Art. I) e o princípio do tratamento nacional (Art.III). Pelo princípio da nação mais favorecida, um país é obrigado é estender aos demais Membros qualquer vantagem ou privilégio concedido a um dos Membros; já o princípio do tratamento nacional impede o tratamento diferenciado de produtos nacionais e importados, quando o objetivo for discriminar o produto importado desfavorecendo a competição com o produto nacional.
Previsibilidade: Os operadores do comércio exterior precisam de previsibilidade de normas e do acesso aos mercados tanto na exportação quanto na importação para poderem desenvolver suas atividades. Para garantir essa previsibilidade, o pilar básico é a consolidação dos compromissos tarifários para bens e das listas de ofertas em serviços, além das disciplinas em outras áreas da OMC, como TRIPS, TRIMS, Barreiras Técnicas e SPS que visam impedir o uso abusivo dos países para restringir o comércio.
Concorrência Leal: A OMC tenta garantir não só um comércio mais aberto mas também um comércio justo, coibindo práticas comerciais desleais como o dumping e os subsídios, que distorcem as condições de comércio entre os países. O GATT já tratava destes princípios nos Art. VI e XVI, porém estes mecanismos só puderam ser realmente implementados após os Acordos de Antidumping e Acordo de Subsídios terem definido as práticas de dumping e de subsídios e previsto as medidas cabíveis para combater o dano advindo destas práticas.
Comércio mais livre: gradativamente, por meio de negociação: A redução das barreiras comerciais é um dos meios mais óbvios de incentivar o comércio. As barreiras em questão incluem direitos aduaneiros (ou tarifas) e medidas como proibições ou cotas de importação que restringem seletivamente as quantidades. De tempos em tempos, outras questões, como burocracia e políticas cambiais, também são discutidas. Os acordos da OMC permitem que os países introduzam mudanças gradualmente, através da “liberalização progressiva”. Os países em desenvolvimento geralmente recebem mais tempo para cumprir suas obrigações.
Tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento: os países desenvolvidos renunciam à reciprocidade nas negociações tarifárias. Portanto, um país subdesenvolvido ou em desenvolvimento possui maior facilidade de acesso ao mercado dos países desenvolvidos. contudo, o país desenvolvido não possui a mesma facilidade de acesso ao país subdesenvolvido ou em desenvolvimento.
A PROPOSTA DE REFORMA DA OMC
Em agosto de 2020, o Representante Comercial dos Estados Unidos no Governo Trump, Robert Lighthizer, apresentou um Plano de Reforma para a Organização. A proposta vai de encontro com a conduta política de Donald Trump em relação à Organização, sobretudo no que diz respeito ao Tratamento Especial e Diferenciado concedido aos países em desenvolvimento e também à inaplicabilidade das regras da OMC à China, devido ao alto controle estatal. O roteiro apresentado por Lighthizer foca em cinco pontos, que são: a) tarifas; b) acordos bilaterais de comércio; c) tratamento especial e diferenciado nos acordos; d) regras; e) mecanismo de solução de disputas.
No primeiro ponto, sobre tarifas, Lighthizer diz que que os membros da OMC “precisam concordar” em tarifas de importação aplicáveis a todos. Ou seja, todos os países deveriam adotar as mesmas tarifas para proporcionar um comércio mais justo, com exceções mínimas para casso específicos. A sugestão do representante comercial é ter como base as tarifas médias dos países ricos – o que gera preocupação justamente porque a indústria local dos países não desenvolvidos ganharia uma concorrência muito forte instantaneamente. Atualmente, a tarifa de importação média varia muito entre os membros da OMC. Em 2019, foi de 3,4% nos Estados Unidos e de 5,2% na União Europeia. Por outro lado, foi de 17,1% na Índia, 13,7% na Coreia do Sul, 13,4% no Brasil e 9,8% na China. Essa proposta mostra-se como uma espécie de aviso dos Estados Unidos de que se os outros países não abaixarem suas tarifas, eles vão aumentar a deles.
No segundo ponto, sobre acordos bilaterais de comércio, o Plano de Reforma propõe que Acordos Bilaterais ou regionais acabem, exceto aqueles para reforçar a integração regional. Então, acordos como o Mercosul[4] e o USMCA[5] fariam sentido para os Estados Unidos, mas um acordo Mercosul-União Europeia, não. Os Estados Unidos, inclusive, negociam acordos com o Japão, com a Coreia do Sul, com o Quênia e com o Reino Unido – que saiu da União Europeia. A tentativa em cima desse ponto pode ser, na verdade, uma tentativa de evitar que outros acordos sejam feitos – que não envolvem os Estados Unidos.
Em relação ao terceiro ponto, Lighthizer defende que o Tratamento Especial e Diferenciado para os países em desenvolvimento deve se extinguir. O Representante Comercial argumenta que o tratamento deve ser igualitário para todos membros. Tópico que vai de encontro com a atual política externa adotada pelos Estados Unidos de contenção do avanço da China e surge, inclusive, como uma indireta para os demais países que usufruem desse benefício.
No quarto ponto, há uma proposta para mudança de regras que, segundo Lighthizer, “servirá para acabar com distorções econômicas que decorrem do capitalismo de Estado da China”. A alegação é que, na China, a intervenção estatal é muito grande e que a economia chinesa não é uma economia de mercado. Em decorrência disso, a OMC não consegue aplicar suas regras na China da mesma forma que aplica nos outros países. O entendimento é que na China existem muitos subsídios concedidos pelo governo que deixam os produtos chineses mais competitivos. E em uma situação de economia de mercado, esses subsídios poderiam ser encarados como ilegais e, dessa forma, gerarem penalidades para os chinesas. A própria China já reagiu a isso e disse que essa não é uma discussão para o âmbito da OMC, deixando claro que não discutirá assuntos políticos.
Em relação ao quinto ponto, a proposta é de desmontar o atual mecanismo de solução de controvérsias da OMC e criar uma espécie de arbitragem comercial. Atualmente, existe na OMC um mecanismo para os países resolverem litígios, que é dividido em três etapas: Consulta, Painel e Órgão de Apelação. Na Consulta, um país avisa o outro sobre um problema e avisa também a OMC. Se não houver um acordo, o processo vai para um Painel – que é como se fosse a primeira instância – e que pode demorar até 6 meses para tratar do caso e dar o parecer final. Depois disso, o país que perdeu a discussão ainda pode entrar com um tipo de recurso junto ao Órgão de Apelação, e o ultimato pode demorar mais 2 ou 3 meses. O que os Estados Unidos propõem é uma espécie de “arbitragem comercial”, na qual um tribunal “ad hoc” resolveria as disputas rapidamente e em que as decisões seriam aplicadas apenas para os beligerantes, sem criar jurisprudência. Além disso, em vez de um Órgão de Apelação, os Estados Unidos sugerem um mecanismo que permita aos países “anular uma opinião errada do painel em casos excepcionais”.
[1] Imposto de Importação. O percentual máximo para Imposto de Importação, definido pela OMC, é de 35% para produtos industrializados e de 55% para produtos agrícolas.
[2] As barreiras não tarifárias são mecanismos que influenciam o fluxo do comércio internacional sem a utilização de tarifas: cotas de importação que limitam a quantidade de mercadoria importada; barreiras técnicas sanitárias, fitossanitárias, ambientais e de segurança; licença de importação; valoração aduaneira; políticas anti-dumping; subsídios; medidas compensatórias e; medidas de salvaguarda.
[3] O GATT não deixou de existir. O Acordo Internacional ainda vigora no Brasil e é regido pela Lei 313 de 30/07/48 e alterações posteriores.
[4] Composto por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
[5] Composto por Canadá, Estados Unidos e México.
Autor: Eduardo Melo Vidal
(Bacharel em Relações Internacionais pela PUC Minas; especialista em Comércio Exterior e Negócios Internacionais pela PUC Minas; mestrando em Ciência Política pela UFMG; Professor; Consultor).
REFERÊNCIAS
Acordos da OMC. Ministério da Economia, 2019. Disponível em: <www.mdic.gov.br/comercio-exterior/negociacoes-internacionais/1885-omc-acordos-da-omc>.
Acordo sobre a implementação do artigo VII do Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio, 1994. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Disponível em: <www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1196685851.doc>.
A OMC – Organização Mundial do Comércio e as negociações sobre investimentos e concorrência. Rev. bras. polít. int. vol.41 no.1 Brasília Jan./June 1998. Disponível em: <www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73291998000100004>.
CAPARROZ, Roberto. Comércio Internacional esquematizado. Coord: Pedro Lenza. São Paulo: Saraiva, 2012.
GATT. The General Agreement on Tariffs and Trade. 1947.
GATT. The Results of the Uruguay Round of Multilateral Trade Negotiations. 1994.
Valor Econômico. EUA detalham plano de reforma da OMC. Disponível em: <https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/08/24/eua-detalham-plano-de-reforma-da-omc.ghtml>.