RESUMO
O presente artigo apresenta dados sobre a produção, consumo interno, exportação e importação brasileira de petróleo e seus derivados entre 2000 e 2020, e tem por objetivo identificar motivos pelos quais o país, grande produtor, também importa esses produtos. Para tanto, buscou-se obter dados relativos à produção mundial e nacional de petróleo, bem como contextualizar sobre a atuação da Petrobrás e demais operadores na produção e no refino do petróleo no Brasil.
INTRODUÇÃO
O Brasil é mundialmente conhecido por seus diversos recursos naturais, renováveis e não renováveis. Segundo o Ministério de Minas e Energia (2020), as “fontes renováveis de energia, que incluem hidráulica, eólica, solar e bioenergia, chegaram a 46,1% de participação na Matriz da Demanda Total de Energia de 2019 (ou Matriz Energética)” (MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA, 2020). A representatividade é tanta que o indicador brasileiro é três vezes maior que o mundial. Entretanto, a energia renovável ainda não consegue atender todas as demandas, e fontes não renováveis seguem sendo bastante utilizadas. Sobretudo o petróleo, o qual o Brasil possui grandes reservas e é um grande produtor e exportador, mas ainda assim importador. De acordo com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o Brasil foi o décimo maior produtor mundial de petróleo em 2019, com um market share de 3,02% do total[1]. O petróleo, além de servir como matéria prima para combustíveis (como óleo diesel e gasolina), serve também como base para produção de polímeros plásticos, borracha sintética, óleos lubrificantes, produtos de limpeza, matérias primas para produção de remédios e cosméticos, entre outros.
PRODUÇÃO MUNDIAL DE PETRÓLEO
Em termos de produção mundial de petróleo bruto, o Brasil aparece atrás de Estados Unidos (17,91% do total em 2019), Arábia Saudita (12,43%), Rússia (12,12%), Canadá (5,94%), Iraque (5,02%), Emirados Árabes Unidos (4,20%), China (4,03%), Irã (3,71%) e Kuwait (3,15%) (ANP, 2020). Na América Latina, portanto, o Brasil é o principal produtor – o México aparece na 13ª posição (2,02%) e a Venezuela na 21ª (0,96%). O Brasil manteve a posição de 2018 e, segundo o Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), o país possui potencial para se posicionar ainda melhor no ranking nos próximos anos devido ao Pré-sal e aos leilões que estão em andamento (IBP, 2020). Em 2019, somente o Pré-sal foi responsável pela produção de 633,980 milhões de barris (ANP, 2020). Em 2019, conforme dados do BP Statistical Review of World Energy, o país produziu uma média de 2,877[2] milhões de barris[3] de petróleo por dia:
Gráfico 1 – Maiores produtores de petróleo em 2019. Fonte: BP, 2020. Adaptado por IBP, 2020
PRODUÇÃO POR ESTADO E POR BACIA
Segundo a ANP, a quantidade total de barris produzidos em 2019 chegou a 1,018 bilhão, representando um aumento de 7,38% em relação a 2018 – ano em que foram produzidos 944,117 milhões de barris (ANP, 2020). Foi a primeira vez que o Brasil superou a marca de 1 bilhão de barris em um único ano. O Rio de Janeiro é o estado brasileiro que mais produz petróleo, com 2.448.356 bbl/d[4] seguido por São Paulo e Espírito Santo. Juntos, representam mais de 95% da produção nacional:
Tabela 1 – Distribuição da produção de petróleo por estado. Fonte: Adaptado de ANP, 2019
Em relação às bacias, a de Santos lidera, seguida pela bacia de Campos:
Tabela 2 – Distribuição da produção de petróleo por bacia. Fonte: Adaptado de ANP, 2019 [5]
PRODUÇÃO POR OPERADOR
Apesar dos números altos, a produção de petróleo no Brasil encontra-se concentrada nas mãos da Petrobrás[6], que divide o mercado de produção com mais 33 empresas operadoras[7]. A produção da estatal em 2019 foi de 2.918.209 de barris de petróleo por dia, representando um market share de quase 95%:
Gráfico 2 – Distribuição da produção de petróleo por operador.Fonte: ANP, 2019.
A PETROBRÁS, O MONOPÓLIO E A ANP
A Petrobrás foi fundada em 1953 pelo Governo Federal do Brasil, durante o governo de Getúlio Vargas, e obteve o monopólio de atividades ligadas ao petróleo até 1997. A Lei número 2.004, de 1953, que fundou a Petrobrás, estabeleceu, em seus artigos 1º e 2º, que:
Art. 1º Constituem monopólio da União:
I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e outros hidrocarbonetos fluídos e gases raros, existentes no território nacional;
II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados de petróleo produzidos no Pais, e bem assim o transporte, por meio de condutos, de petróleo bruto e seus derivados, assim como de gases raros de qualquer origem.
Art. 2º A União exercerá, o monopólio estabelecido no artigo anterior:
I – por meio do Conselho Nacional do Petróleo, como órgão de orientação e fiscalização;
II – por meio da sociedade por ações Petróleo Brasileiro S. A. e das suas subsidiárias, constituídas na forma da presente lei, como órgãos de execução. (BRASIL, 1953, Art. 1º e Art. 2º).
Era de direito e cabia à Petrobrás, portanto, “explorar, em caráter monopolista, diretamente ou por meio de subsidiárias, todas as etapas da indústria petrolífera, menos a distribuição” (ANP, 2020). Esse monopólio, entretanto, acabou em 1997, com a lei número 9.478 de 1997, que estabeleceu[8] a Agência Nacional do Petróleo (ANP) – nomeada de Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis pela Lei nº 11.097, de 2005. Conhecida também como Lei do Petróleo, a lei 9.478 permitiu a entrada de outras empresas nas atividades anteriormente exercidas somente pela Petrobrás. Segundo o artigo 4º da lei, o monopólio ainda existe, contudo, conforme artigo 5º, as atividades podem ser exercidas por outras empresas constituídas sob as leis brasileiras, sediadas e administradas no país:
Art. 4º Constituem monopólio da União, nos termos do art. 177 da Constituição Federal, as seguintes atividades:
I – a pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
II – a refinação de petróleo nacional ou estrangeiro;
III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem como o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e de gás natural.
Art. 5o As atividades econômicas de que trata o art. 4o desta Lei serão reguladas e fiscalizadas pela União e poderão ser exercidas, mediante concessão, autorização ou contratação sob o regime de partilha de produção, por empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País. (BRASIL, 1997, Art. 4º e Art. 5º).
Dessa forma, as companhias estrangeiras que quisessem atuar no Brasil deveriam constituir empresas sob as leis brasileiras, com sede e administração no Brasil. Caberia à ANP, então, regular, contratar e fiscalizar todas as atividades relacionadas à indústria petrolífera do Brasil:
REGULAR – Estabelecer regras para o funcionamento das indústrias e do comércio de óleo, gás e biocombustíveis;
CONTRATAR – Promover licitações e assinar contratos em nome da União com os concessionários em atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, e autorizar as atividades das indústrias reguladas;
FISCALIZAR – Fazer cumprir as normas nas atividades das indústrias reguladas, diretamente ou mediante convênios com outros órgãos públicos. (ANP, 2020)
Desde então, nomes conhecidos como Shell, Petroil, Newo, Repsol, Petronas e Chevron começaram a operar no país em atividades ligadas à cadeia de produção e distribuição do petróleo. Contudo, a produção de petróleo permaneceu altamente concentrada nas mãos da estatal Petrobrás, que já possuía estruturas estabelecidas quando a lei 9.478 foi aprovada, em 1997.
REFINARIAS
Se a produção está concentrada, não é diferente para as atividades de refino[9]. De acordo com a ANP, o Brasil é o oitavo maior parque refinador do mundo – primeiro na América Latina. Das 17 refinarias existentes hoje no país, 13[10] são da Petrobras[11] [12](ANP, 2018). As refinarias não Petrobrás são a Dax Oil, na Bahia, a Univen, em São Paulo, a Manguinhos, no Rio de Janeiro e a Rio Grandense, no Rio Grande do Sul. Juntas, não representam mais que 2% do refino brasileiro (ANP, 2017).
PREÇOS
Para precificação do petróleo, a ANP utiliza o Preço de Referência do Petróleo (PRP), que é calculado pela média mensal do preço do petróleo tipo Brent[13] (US$/bbl[14]). A unidade de medida utilizada pela ANP, contudo, é reais por metro cúbico[15] (R$/m³) (ANP, 2020). Segundo a série histórica da BP, obtida via S&P Global Platts, 2020, o preço médio do barril de petróleo em 2019 foi US$ 64,21 – queda de 9,95% em relação ao ano anterior.
A expectativa da U.S. Energy Information Administration (EIA), é que o preço médio do barril de petróleo tipo Brent seja drasticamente reduzido em 2020, devido à queda na demanda internacional ocasionada pela pandemia (EIA, 2020). Entretanto, a queda na demanda fez com que os produtores diminuíssem a produção. Houve, portanto, equilíbrio entre oferta e demanda e, consequentemente, de preço. Ainda segundo a EIA, a demanda deve crescer ao longo do segundo semestre de 2020 e os preços podem voltar a se recuperar em 2021.
PRODUÇÃO NACIONAL, IMPORTAÇÃO, EXPORTAÇÃO E CONSUMO NO MERCADO INTERNO – PETRÓLEO E DERIVADOS
Historicamente, a produção nacional de petróleo e derivados[16] de petróleo é majoritariamente consumida no mercado interno. Entretanto, as exportações brasileiras de petróleo bruto têm crescido acentuadamente desde 2014, à medida em que a produção nacional também cresce. Aqui, portanto, a curva de exportação acompanha a curva de produção nacional, demonstrando que o excedente produzido é destinado para o mercado externo em vez de ser consumido internamente. Evidencia-se uma relação bem estabelecida de oferta nacional e demanda externa: à medida em que se produz mais, exporta-se mais.
Gráfico 3 – Produção Nacional, Importações, Exportações e Produção Nacional Consumida no Mercado Interno anual – Petróleo bruto (MMbbl). Fonte: Adaptado de ANP, 2020
Ainda assim o país importa regularmente algumas quantidades de petróleo, sobretudo da África e do Oriente Médio[17], que são mais leves. Das 13 refinarias de petróleo operadas pela Petrobrás, 11 foram criadas, ou incorporadas à Petrobrás, entre 1953 e 1980 (PETROBRÁS, 2020). À época, foram estabelecidas com tecnologia para refinar petróleo leve, uma vez que grande parte do volume de petróleo presente no país era importado. Essas importações, portanto, se devem à necessidade de algumas refinarias ainda precisarem de um blend[18] de petróleo para conseguir refinar, ou seja, uma mistura do petróleo brasileiro, mais pesado, e do petróleo importado, mais leve.
Para os derivados de petróleo, a realidade é um tanto diferente. A curva da produção nacional consumida no mercado interno é a que acompanha a curva da produção nacional, evidenciando uma relação bem estabelecida da oferta nacional e da demanda pelo produto nacional. Quando se produz mais, se consome mais dessa produção internamente. Quando se produz menos, se consome menos dessa produção internamente.
Gráfico 4 – Produção Nacional, Importações, Exportações e Produção Nacional Consumida no Mercado Interno anual – Derivados de petróleo (MMbbl). Fonte: Adaptado de ANP, 2020
Cabe destacar que o que é importado também é consumido internamente e que o consumo interno total (Produção nacional consumida no MI + Importação) supera a produção nacional. Portanto, há uma demanda excedente que é suprida com a oferta internacional. Essas importações são realizadas por comercializadoras que, após a importação, revendem os produtos para distribuidores e postos, ou mesmo pela própria Petrobrás, com vistas a complementar seu estoque e fornecimento.
CONCLUSÃO
As exportações brasileiras de petróleo bruto continuarão a crescer enquanto houver demanda internacional pelo produto, e a dependência de importações de petróleo e de derivados continuará existindo enquanto o país não alcançar a autossuficiência na cadeia de produção do petróleo. Ser autossuficiente, todavia, não significa parar de importar, mas sim deixar de depender dessas importações para conseguir produzir ou comercializar produtos melhores.
Para alcançar esse status, o país precisará investir em tecnologia nas refinarias estatais, fazer boas privatizações ou mesmo terceirizar a operação destas por meio de parcerias público-privadas. As refinarias bem estruturadas trariam, inclusive, ganhos para as exportações de derivados de petróleo, que há décadas estão estagnadas. Além disso, possibilitariam ganhos de competitividade e tornariam o país menos vulnerável à volatilidade de preços internacionais.
Por outro lado, o Pré-sal ainda deve ser visto como o personagem capaz de protagonizar a mudança de perfil do atual Brasil petrolífero. A camada localizada no litoral sudeste do país é composta por grandes acumulações de óleo leve, de qualidade e de alto valor comercial (PETROBRÁS, 2020). Desde que o Brasil mantenha grandes níveis da produção para refino no mercado interno e posterior exportação de derivados, há a possibilidade de ganhos mais expressivos com produtos de maior valor agregado, ao mesmo tempo em que possibilita que as refinarias se desenvolvam tecnologicamente para melhorar o refino de petróleo pesado.
[1] Dados obtidos por meio do BP Statistical Review of World Energy 2020, elaborado pela BP.
[2] A própria ANP apresenta uma divergência nos números. O Anuário Estatístico da entidade informa 2,877 milhões de barris por dia, enquanto o Boletim da Produção de Petróleo e Gás, da mesma entidade, informa 2,787 milhões de barris por dia. Optamos por seguir com os dados do Anuário Estatístico.
[3] Cada barril tem capacidade para 158,98 litros
[4] Barris por dia
[5] Produz somente gás natural
[6] Petróleo Brasileiro S.A.
[7] Equinor Brasil, Eneva, Shell Brasil, Total E&P do Brasil, Enauta Energia S.A., Petro Rio Jaguar, Petro Rio O&G, Dommo Energia, Potiguar, Maha Energy, SHB, Imetame, Petrosynergy, Nova Petróleo, Partex Brasil, Petrogal Brasil, Geopark Brasil, Recôncavo E&P, Phoenix Óleo & Gás, Santana, Petroborn (somente gás natural em 2019), Newo, Perícia, Vipetro, EPG Brasil, Alvopetro, Central Resources, Ubuntu Engenharia, Nord, Guto & Cacal, Leros, Energizzi Energias, Petroil.
[8] A implantação da Agência se deu posteriormente pelo Decreto nº 2.455, de 14 de janeiro de 1998.
[9] As refinarias transformam o óleo bruto, extraídos dos campos, em diversos produtos utilizados diariamente, como a gasolina. (PETROBRÁS, 2020).
[10] Refinaria Abreu e Lima – PE, Refinaria Potiguar Clara Camarão (RPCC) – RN, Refinaria Landulpho Alves (RLAM) – BA, Refinaria Lubrificantes e Derivados do Nordeste (Lubnor) – CE, Refinaria Capuava (Recap) – SP, Refinaria Duque de Caxias (Reduc) – RJ, Refinaria Alberto Pasqualini (Refap) – RS, Refinaria Gabriel Passos (Regap) – MG, Refinaria Isaac Sabbá (Reman) – AM, Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar) – PR, Refinaria Presidente Bernardes (RPBC) – SP, Refinaria de Paulínia (Replan) – SP e Refinaria Henrique Lage (Revap) – SP.
[11] Existem, ainda, a Unidade de Industrialização do Xisto (SIX), no Paraná, e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), ainda em implantação em 2020.
[12] A Petrobrás iniciou processo de venda das refinarias Refinaria Isaac Sabbá (Reman) no Amazonas; Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste (Lubnor), no Ceará; e Unidade de Industrialização do Xisto (SIX) no Paraná; assim como seus ativos logísticos correspondentes. Processo ainda em andamento quando da elaboração desse artigo.
[13] Além da Petrobrás, o Brent é a referência utilizada pelo mercado europeu, asiático e OPEP. Além do Brent $/bbl, a S&P Global Platts calcula a média de preços do Dubai $/bbl, do Nigerian Forcados $/bbl e do West Texas Intermediate $/bbl, sendo este último a principal referência do mercado estadunidense.
[14] Barril.
[15] 1 m³ corresponde a aproximadamente 6,289 barris. 1 barril corresponde a aproximadamente 0,158 m³.
[16] Inclui: Asfalto, Coque, Gasolina A, Gasolina de aviação, GLP, Lubrificante, Nafta, Óleo Combustível, Óleo Diesel, Parafina, Querosene de aviação, Querosene iluminante, Solvente, Outros derivados energéticos, Outros derivados não energéticos.
[17] Dados do MDIC, 2020. Das importações brasileiras de petróleo bruto em 2019, 33% foram provenientes da Arábia Saudita, 24% da Argélia, 15% da Nigéria, 5% do Iraque e 2% da Líbia.
[18] Mistura
Autor: Eduardo Melo Vidal
(Bacharel em Relações Internacionais pela PUC Minas; especialista em Comércio Exterior e Negócios Internacionais pela PUC Minas; mestrando em Ciência Política pela UFMG; Professor; Consultor).
REFERÊNCIAS