Nos dias 3 e 4 de fevereiro de 2020, aconteceu em Genebra, na Suíça, o UNCTAD Illicit Trade Forum, evento organizado em conjunto com a TRACIT (Transnational Alliance to Combat Illicit Trade). Eventos como esse promovem o encontro de instituições privadas e públicas, bem como pesquisadores e estudiosos, para discutirem o tema “combate ao comércio ilícito”.
Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), o comércio ilícito global chega a drenar aproximadamente 3% da economia global, com contrabando, falsificação de mercadorias e sonegação de impostos, o que, logicamente, causa enormes perdas para empresas, governos e, consequentemente, para o crescimento socioeconômico global.
O valor é tão grande que chega a US$ 2 trilhões por ano. Se o comércio ilícito fosse um país, seria maior que Brasil, Itália e Canadá, e do mesmo tamanho que México e Indonésia juntos. Se considerarmos apenas a corrente de comércio internacional – soma das importações e exportações – brasileira em 2019, que foi de US$ 403 bilhões, esse valor representaria o equivalente a cinco vezes todo o comércio legal internacional brasileiro.
Uma das principais preocupações das instituições – UNCTAD e TRACIT – é que o comércio ilícito impacta diretamente, de forma negativa, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que são: 01 – Erradicação da pobreza; 02 – Fome zero; 03 – Saúde e bem-estar; 04 – Educação de qualidade; 05 – Igualdade de gênero; 06 – Água limpa e saneamento; 07 – Energia limpa e acessível; 08 – Trabalho decente e crescimento econômico; 09 – Indústria, inovação, infraestrutura; 10 – Redução das desigualdades; 11 – Cidades e comunidades sustentáveis; 12 – Consumo e produção responsáveis; 13 – Ação contra a mudança global do clima; 14 – Vida na água; 15 – Vida terrestre; 16 – Paz, justiça e instituições fortes; 17 – Parcerias para implementação dos Objetivos.
Não é difícil imaginar como o comércio ilícito pode prejudicar o avanço em algum desses tópicos. A exploração e comércio ilegal de madeira, por exemplo, com um valor estimado anual de até US$ 157 bilhões, é o crime mais lucrativo do mundo, envolvendo recursos naturais. Medicamentos sem ingrediente ativo e bebidas alcoólicas tóxicas e ilícitas, por exemplo, impactam diretamente na saúde e bem-estar. Em alguns países em desenvolvimento, como na África, a proporção de remédios falsificados chega a 70%. Remédios antimaláricos falsos e abaixo do padrão causam mais de 100.000 mortes por ano na África Subsaariana [UNCTAD].
O comércio ilícito ameaça diretamente o estado de direito, devido às suas ligações com o crime organizado, desde redes de tráfico de seres humanos e contrabando de tabaco até o envolvimento de grupos criminosos organizados no roubo de combustíveis e no comércio de produtos falsificados [UNCTAD].
Em seu relatório de 2018, a TRACIT avaliou 84 economias no mundo em sua capacidade estrutural de proteção contra o comércio ilícito. O levantamento levou em consideração leis, regulamentos, sistemas e eficácia da governança que contribuem para o desenvolvimento de um ambiente com potencial para combater o comércio ilícito. Em um ranking de 0 a 100 pontos, a Finlândia foi a líder, com 85,6 pontos, seguida pelo Reino Unido (85,1), Estados Unidos (82,5), Nova Zelândia (82,3), Austrália (81), Suécia (80,9), Áustria (80,5), Holanda (80), Dinamarca (79,3) e Alemanha (78,9). O Brasil aparece na 59ª posição, com 50,6 pontos. E a Líbia aparece no fim da lista, com apenas 8,6 pontos.
Global Illicit Trade Environment Index:
Fonte: TRACIT
É importante ressaltar que o índice não pontua o desempenho econômico ou a eficácia de uma economia no combate ao comércio ilícito, mas sim a capacidade estrutural de um país para combater o comércio ilícito. Portanto, países que oferecem mecanismos eficientes para tal possuem maior pontuação no índice. São considerados mecanismos: combate à corrupção, segurança cibernética, obrigações fiscais e previdenciárias, percepção de que crime organizado gera custos aos negócios, serviços de rastreio e inspeção de carga, Programa Operador Econômico Autorizado (OEA) implementado, entre outros.
Nos últimos anos, o Brasil mostrou avanços em alguns aspectos. O país é signatário do Acordo de Facilitação Comercial e já possui o programa OEA implementado, bem como Acordos de Reconhecimento Mútuo estabelecidos. Em outros aspectos, oscilou, como no combate à corrupção, segundo o Índice de Percepção de Corrupção (IPC). Em alguns temas, estagnou, piorou ou demonstrou avanços mais tímidos. Ocorrências similares às de outros países em desenvolvimento.
É no mínimo importante – e por isso a redundância – fazer uma reflexão sobre a criação de um ambiente favorável ao combate do comércio ilícito em vez de refletir sobre a eficácia do combate ao comércio ilícito. Por mais que acabem por estar, de alguma forma, conectados, a criação de um ambiente favorável não traz, necessariamente, eficácia no combate da ilicitude. Assinar Acordos Internacionais ou criar programas de combate ao comércio ilegal têm representatividade, mas ainda não têm impedido muitos brasileiros de consumirem produtos falsificados ou ilegais e, logo, de fomentarem o comércio ilícito.